A Economia de Francisco e Clara é uma alternativa que tenta estancar um processo que não encontra mais caminhos dentro da lógica do capitalismo. Esta é a constatação da professora Juliane Furno, economista-chefe e professora do Instituto para a Reforma das Relações Estado e Empresa, durante a palestra A crise do capitalismo e os desafios para a construção de uma economia para as maiorias, realizada nesta terça-feira, 14 de setembro, como parte da programação do Seminário Internacional A Economia de Francisco e Clara: reflexões sobre mundo contemporâneo. Juliane qualificou as crises do capitalismo como um processo contínuo e analisou os processos ocorridos desde a crise da década de 70. "A crise dos anos 70 do capitalismo, de forma global, acontece também nas economias globais centradas nas experiências de Estado de bem-estar social e que vão dar a tônica da reorganização do capitalismo e da forma de manifestação deste capitalismo monopolista que até hoje permanece como a forma predominante", analisa. A crise dos anos 70 inaugura um novo tipo de capitalismo que passa por três transformações principais: o capital industrial cede espaço para a predominância de um novo capital financeiro; a adoção de uma nova forma produtiva em que as grandes empresas externalizam parte da produção, dando origem a uma forma de trabalho mais flexível, terceirizada e precarizada; e, o terceiro elemento, o abandono de um padrão de regulação das relações Estado – empresa de características mais regulatórias, mais intervencionistas, para um padrão de experiências neoliberais. Esta última responde à própria lógica da crise, caracterizada pela queda da taxa de lucro, investimentos que não encontram retorno adequado a curto e longo prazos e, sobretudo, ao capital acumulado que precisa encontrar espaço de valorização. "Quando são vendidas empresas estatais que estavam fora da órbita da mercantilização, cria-se um espaço que não era de valorização do capital privado, abrindo espaço para o capital sobreacumulado, que não encontraria um investimento produtivo para retorno de longo prazo", explica Juliane.
Este mesmo capitalismo, já alicerçado na lógica neoliberal, passa por uma crise no ano de 2008 e este padrão neoliberal também encontra gargalos. Vale destacar que as crises têm um papel funcional para o capitalismo. Há uma desorganização salarial e social da estrutura produtiva, os donos do capital então rebaixam os custos salariais para retomar o padrão de acumulação num padrão qualitativamente superior. E assim sucessivamente. Acontece que as economias ainda não retomaram um grau de crescimento após a crise de 2008. "O capitalismo permanece em crise e o neoliberalismo foi incapaz de dar respostas para que o capitalismo retome o seu padrão de normalidade. Este cenário abre espaço na crise do neoliberalismo para mais neoliberalismo, agora de faceta autoritária. Isso explica o fenômeno Bolsonaro no Brasil, Trump nos Estados Unidos, Boris Johnson, entre outros. Emergem figuras que representam esse modelo, comprometido com o mercado e com os ditames autoritários nos valores e na política, e procurando por inimigos internos na tentativa de identificar culpados internos", explica Juliane.
O novo coronavírus chegou para potencializar a crise do capitalismo já existente. A necessidade de isolamento social dificulta os processos de compra e venda e é um choque fundamental na economia. "A saída que os países centrais encontraram para lidar com a crise é a presença do Estado. Mais Estado, mais proteção social, especialmente mais política fiscal. São esses mesmos países que adotam esta política de mais Estado que fazem todo tipo de pressão para que países periféricos não possam lançar mão desse mesmo tipo de política", destaca Juliane. "Menos Estado, mais preocupação com endividamento público e aprofundamento da pobreza e da desigualdade abrem um flanco de ausência de Estado para que seja capturado pela iniciativa privada. Mais Estado para os países centrais e mais desigualdade para os países periféricos", analisa.
A Economia de Francisco e Clara
"Estamos vivendo um momento em que a desigualdade se coloca não mais como um elemento funcional, mas como um entrave à própria sustentação do capitalismo em termos civilizados. Partimos de uma leitura de que o próprio capitalismo é incapaz de resolver estes problemas. Os Estados hoje são incapazes de radicalizar uma plataforma substancial de mudanças que precisam ser levadas adiante sob o risco de um colapso social", avalia Juliana. Neste cenário, a Economia de Francisco e Clara parte de uma leitura de que precisamos de uma agenda anticapitalista e anti-imperialista. "Parte da leitura de que o sonho da humanidade de viver bem, de viver em união, é um pouco incompatível com uma lógica centrada na ganância e na maximização do lucro", afirma a economista.
A EFC é uma alternativa que tenta estancar um processo que não encontra mais alternativa dentro da lógica do capitalismo. Na plataforma de reivindicações levantada pelo Vaticano e pelos movimentos sociais estão a taxação global das multinacionais para que seja possível fomentar a implementação de políticas globais de caráter universal de seguridade social nos países periféricos, políticas desiguais de distribuição do ônus da degradação ambiental entre os países e medidas regulatórias do ponto de vista universal, uma vez que a classe trabalhadora é muito mais universalizada, considerando que muitas empresas hoje são transnacionais. "São necessárias propostas concretas que possam dirimir a crise para que a crise não repouse sobre os mais pobres", conclui Juliane.
O Seminário Internacional A Economia de Francisco e Clara: reflexões sobre mundo contemporâneo é organizado pelo Departamento de Relações Internacionais, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, Curso de Ciências Econômicas, Instituto de Ciências Sociais, Grupo de Reflexão e Trabalho Economia de Francisco e Clara e Articulação Brasileira da Economia de Francisco e Clara.
A palestra de Juliane Furno está disponível na íntegra no Canal do Youtube PUC Minas Lives. O evento prossegue na próxima segunda-feira, 20 de setembro, com a live Construindo a Utopia: a Juventude e a Economia de Francisco e Clara, com Marina Oliveira e Daiane Zito.