A PUC Minas recebeu no dia 16 de setembro a Profa. Dra. Cármen Lúcia Antunes Rocha, ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), presidente do Superior Tribunal Eleitoral (TSE) e docente da Faculdade Mineira de Direito (FMD); e a ministra do TSE Edilene Lôbo, também docente da Universidade, onde leciona a disciplina Processo Eleitoral na Pós-graduação lato sensu. Elas foram as conferencistas do Eleições 2024: Mídia e Direito, evento promovido pela Faculdade Mineira de Direito (FMD) em parceria com a Faculdade de Comunicação e Artes (FCA). A atividade foi realizada no Teatro São João Paulo II do Campus Coração Eucarístico.
Ao saudar os docentes e discentes presentes, o Reitor da PUC Minas, Prof. Dr. Pe. Luís Henrique Eloy e Silva, destacou a polarização da sociedade contemporânea, fenômeno que não é restrito apenas ao Brasil e assola diversos países. Justamente pelo seu aspecto global, ele apontou a necessidade de um olhar epistemológico mais atento a essa ocorrência, pois, toda crise representa também uma oportunidade de "separar as coisas". Pontuou, entretanto, que essa não é uma tarefa simples, pois exige sensatez e certo distanciamento para enxergar a realidade, cada vez mais complexa, com a lucidez e a criticidade necessárias.
O Reitor ressaltou que a rachadura social pode ser amenizada e apontou os meios de comunicação como os grandes aliados da sociedade nessa batalha. Ele também fez votos de que este evento ajude as pessoas a repensarem as suas próprias posturas e seu impacto no bem-estar social, reconhecendo a importância de se construir uma sociedade que seja pautada pelo respeitoso diálogo.
"Não há justiça que se concretize sem o acesso à informação", afirmou a Diretora da Faculdade Mineira de Direito (FMD), Profa. Dra. Wilba Lúcia Maia Bernardes, ao destacar a importância desse evento que irmana Comunicação e Direito. Ela também agradeceu a presença das conferencistas e destacou que a Ministra Cármen Lúcia vive intensamente o perfil humanista que percorre as normativas da PUC Minas, sua Alma mater, caminho que também é percorrido pela ministra Edilene Lôbo. "Mulheres que atuam no Poder Judiciário, minorias, que fazem história e marcam o seu tempo com competência, ética e alteridade", ressaltou.
A Diretora da Faculdade de Comunicação e Artes (FCA), Profa. Adelina Martins de La Fuente, destacou a importância de se discutir as eleições pelas perspectivas de duas áreas fundamentais nesse contexto: o Direito e a Comunicação. "A mídia tem o papel vital de informar, investigar e contextualizar o que acontece no mundo político, enquanto o Direito garante que esses processos ocorram dentro dos limites da justiça e da ética", explicou, reforçando que esta "é uma oportunidade de entender melhor o papel da mídia e os aspectos jurídicos relacionados às eleições municipais e fazer uma reflexão profunda acerca dos nossos papéis enquanto profissionais e, principalmente, enquanto cidadãos e eleitores".
A cidadania e o processo eleitoral na consolidação da democracia
A Ministra do STF, do TSE e professora da Faculdade Mineira de Direito (FMD), Cármen Lúcia Antunes Rocha iniciou sua reflexão lembrando da efeméride comemorada no último domingo, 15 de setembro: o Dia Internacional da Democracia. Segundo a Ministra, a data deveria ser lembrada e discutida pelos brasileiros porque a democracia não é retórica, mas sim uma prática, uma escolha de forma de vida. "Nós estamos a 21 dias das Eleições Municipais deste ano, ou seja, o momento em que o cidadão ou cidadã, eleitor ou eleitora, encontra-se consigo mesmo. Na cabine de votação é você com o seu passado, com o seu presente, e principalmente qual é o futuro que você quer, qual é a cidade que você quer, enfim, qual é o Brasil que você quer para você e para quem vier depois de você", indagou, ao afirmar que serão dias de exercício pleno de cidadania até o próximo 6 de outubro, primeiro turno das eleições municipais em todo o país.
A magistrada registrou ainda, citando a fala do Reitor, o cenário de agressões e falta de comunicação resultantes da dissonância de ideologias, comuns na história brasileira, características dessas disputas eleitorais.
Definindo a democracia como uma forma de convivência e não apenas um regime político que enseja o respeito como regra, Cármen Lúcia contou aos presentes sobre seu ingresso como estudante na Faculdade Mineira de Direito, na década de 1970, época marcada pela Ditadura Militar no país. "Naquela ocasião a PUC Minas recebeu os professores que eram proibidos de dar aula mesmo concursados na Universidade Federal. E o então Reitor, Dom Serafim Fernandes de Araújo, nos recebeu dizendo: Nós temos o compromisso de abraçar todos os que podem contribuir para a formação dos senhores. Vocês, estudantes, receberão o melhor, e não para se contrapor a outra faculdade, mas porque este é um espaço no qual cabe todo mundo, o mais diferente", disse. Para ela, cinco décadas depois, a Universidade continua sendo um espaço democrático que comporta a todos, fazendo, portanto, com que a história seja um vetor não apenas do presente, mas do futuro.
Confiança e dignidade
Para a Ministra do STF e TSE, os preceitos da confiança e da dignidade mantêm o prumo da sociedade. O primeiro amplia os limites e permite, por meio do outro, enxergar o que não somos capazes. Assim, a ausência da confiança está criando uma sociedade perigosamente desconfiada do próprio ser humano. Já o segundo preceito, cunhado e tornado obrigatório a partir da Segunda Guerra Mundial, preconiza a liberdade de todo ser. "No entanto, nós continuamos a ver todo tipo de indignidade sendo praticada a partir dos preconceitos, a partir das inequidades praticadas por mero sexismo, machismo, misoginia, racismo, todo tipo de perversidade praticada porque se tem um conceito prévio, por preconceitos que desumanizam as relações. Somos, sim, dignamente iguais nos nossos direitos. Pra nós, do Direito, isso é mais simples porque o princípio mais importante da Constituição Brasileira é o princípio da dignidade humana", declarou Cármen Lúcia, que posteriormente compartilhou dados sobre a baixa representatividade feminina nos espaços de poder no país: "nós somos quase 53% de eleitoras, e nós temos menos de 20% nos órgãos legislativos. Em Minas Gerais há 303 câmaras que têm apenas uma mulher e 113 que não têm nenhuma mulher. Pra se ter uma ideia de como a nossa representatividade não corresponde à nossa cidadania ativa".
A cidadania brasileira, capaz de operar milagres, segundo a Ministra, é um compromisso de todos, exercido no trabalho, nos afetos, nas desafeições e nas ideias. Ela explicou ainda que a condição de cidadã e cidadão exige participação efetiva. "Participação no duplo sentido: de ser parte e participe, somos todos, cada um aqui, fora daqui, e em todo o Brasil, parte deste país. Ele é o que nós todos juntos formos capazes de fazer. E temos que participar, sermos participes", convidou, destacando a importância de todos conhecerem a Constituição brasileira que tem o Estado Democrático de Direito em seu Artigo I.
As eleições não são a única forma de participação, Cármen Lúcia argumentou, até porque nesta mesma Constituição consta a democracia semi-representativa. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário são poderes instituídos, que os exercem diretamente ou por meio de seus representantes. "Diretamente nós temos os mecanismos, que estão no Artigo 14 da Constituição: pelo referendo, pelo plebiscito, pela iniciativa popular de leis, e não é dizer que o povo brasileiro não tenha tido iniciativa de leis. A chamada Lei da Ficha Limpa, que faz com que candidatos eventualmente não consigam ter o deferimento de seu pedido de inscrição como candidato decorre de uma iniciativa popular. A Lei das Eleições Nº 9.504 é de iniciativa popular. O povo foi às ruas e disse o que quer. E este querer se transformou em uma lei que hoje dirige, norteia, os julgamentos dos tribunais", afirmou.
Tecnologias e liberdades
Abordando a sua atuação como juíza eleitoral, a Ministra e Presidente do TSE discursou sobre as tecnologias propiciarem uma forma de algemar as liberdades, induzindo pessoas por meio de mentiras, desinformação e descontextualização. De acordo com ela, que se considera uma intensivista de UTI da pandemia de vírus de redes sociais e para quem ser livre é ter pensamento crítico, a educação é essencial para as liberdades. "Porque se sai de um momento de inocência do pensamento, em que você acredita em tudo que te disserem, para um momento em que o Paulo Freire chamava de transitividade, transita-se para um pensamento crítico, em que você recebe informações, critica sobre isso, e toma uma posição a partir do seu conhecimento. Se você não tem conhecimento, livremente exposto, com toda a diversidade possível, é óbvio que você não tem mais liberdade, que a sua escolha não é mais tão livre quanto poderia ser", explicou.
O grande volume e a alta velocidade com que as informações chegam até as pessoas junto da viralidade e verossimilhança de seus conteúdos estão, segundo ela, contaminando a liberdade das pessoas e são o desafio do nosso tempo. "O nosso risco hoje é gravíssimo porque parece que estamos perdendo a nossa capacidade de sair do solo, sair do lugar, sair da cadeira, e participar civicamente daquilo que importa para nós, que importou para quem veio antes de nós, e que é de enorme importância para quem vier depois de nós. Esta é a vivência democrática que nós aprendemos nesta Universidade, que nós precisamos para transformar o Brasil, no que a Constituição determina no Artigo 3, inciso I: o objetivo da República é construir uma sociedade livre, justa e solidária", declarou ao enfatizar que continua acreditando ser possível confiar em uma sociedade na qual o outro seja o nosso irmão.
O ex-desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e docente da FMD PUC Minas, Prof. Dr. Moacyr Lobato de Campos Filho, foi o mediador da conferência de abertura e condensou quatro temas, que foram objeto de reiteradas perguntas feitas pelo público presente, para que a Ministra Cármen Lúcia comentasse: a situação da mulher na política, a situação dos jovens na política, educação política e Inteligência Artificial e novas tecnologias.
Confira a cobertura das palestras da Ministra Edilene Lôbo e da professora Bertha Maakaroun.
A íntegra do evento está disponível na transmissão do Canal do Youtube PUC Minas Lives.