Em 2020, o Brasil produziu bens e serviços no valor de R$7,5 trilhões. Dividido pela população brasileira, o recurso significaria R$11 mil por mês por família de quatro pessoas. Já a produção de grãos no país é o equivalente a 4,2kg por pessoa. Porém, atualmente no Brasil 19 milhões de pessoas passam fome, sendo 25% delas crianças e 116 milhões vivem em situação de insegurança alimentar. "Nós temos dinheiro, temos as tecnologias, sabemos onde estão os problemas, sabemos quais são os caminhos e não fazemos as coisas. Eu chamo de impotência institucional. Essa impotência frente às coisas que sabemos que estão erradas", frisou o economista e professor da PUC São Paulo Ladislaw Dowbor nesta segunda-feira, 6 de setembro, durante o evento online Seminário Internacional A Economia de Francisco e Clara: reflexões sobre o mundo contemporâneo.
Para o professor Dowbor, o Brasil não tem problemas propriamente econômicos. O problema é de organização política e social. "Por que não fazemos o que é preciso? Por causa da influência de grandes banqueiros e acionistas nacionais e internacionais que encontram suas vantagens nisso", frisou. O professor explica que vivemos no país hoje os frutos da financeirização, sistema que implica em um regime de baixo crescimento, concentração e centralização do capital no sistema financeiro, implicando em desigualdades crescentes. Este sistema tem como consequências elevadas taxas de desemprego, desestruturação de direitos trabalhistas e precarização do trabalho. "Basta ver que em apenas quatro meses de pandemia, de março a julho de 2020, 42 brasileiros aumentaram suas fortunas em R$180 bilhões. Isso equivale a seis anos de Bolsa Família, que, anualmente, beneficia 50 milhões de famílias", problematiza Dowbor.
O economista explica que o essencial da economia é gerar bem-estar para as famílias, o que implica em remuneração e acesso a serviços de consumo coletivo, como segurança, saúde, educação e bens culturais. "O essencial é assegurar o bem-estar das famílias, que geram demanda e também atividade empresarial. Ambos geram recursos para o Estado, que tem como financiar as infraestruturas que melhoram a produtividade das empresas e também as políticas sociais do Estado", garante Dowbor. "As empresas não precisam de discurso ideológico, elas precisam de gente para compra, crédito barato e apoio tecnológico para poder investir", completa.
Opções econômicas para sair da crise
"O planeta este entrando em dificuldades e busca por novos rumos. E o que se busca, especificamente com a Economia de Francisco, é mostrar que economia não são leis. São regras do jogo, são opções", ressaltou Dowbor. Para o economista, há medidas que podem ser adotadas para garantir um ciclo econômico saudável. A garantia de uma renda básica universal e de políticas sociais de acesso universal, público e gratuito criam a base sobre a qual o país pode ser construído e avançar para outros dois eixos: intensificação de infraestrutura descentralizada e criação de políticas de emprego. "É preciso criar políticas centradas em cada município, propiciando o equilíbrio econômico, social e ambiental na própria base da sociedade", considera. E, finalmente, para financiar estas atividades precisamos de políticas de reorganização financeira. "Hoje a população mais pobre paga proporcionalmente muito mais impostos que os mais ricos. Temos imensas terras agrícolas improdutivas. Não é só questão de justiça social. A terra tem que ter função social. Temos que tributar de maneira inteligente", explica Dowbor, ao apontar a reforma tributária como essencial para o dinamismo econômico. "Precisamos também de políticas de crédito e políticas fiscais que fomentem a economia e que orientem o dinheiro para onde ele pode ser mais produtivo", pondera.
Também são necessárias medidas de organização, como a descentralização das políticas. "O dinheiro precisa ficar nas comunidades. Cada cidade precisa administrar o dinheiro de acordo com as suas prioridades e liberar o governo para pensar grandes investimentos em infraestrutura, tecnologia e relações internacionais. É preciso rever o pacto federativo descentralizando as políticas", afirma. Dowbor aponta também a inclusão digital e a organização de um sistema de informação como medidas necessárias. "A pessoa que não está conectada está fora da sociedade. Atualmente, um terço da população não possui acesso à internet, de acordo com o Comitê Gestor da Internet no Brasil. A democratização da informação também é vital, uma vez que sem sociedade informada não há democracia", finaliza.
O Seminário Internacional A Economia de Francisco e Clara: reflexões sobre mundo contemporâneo é organizado pelo Departamento de Relações Internacionais, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, Curso de Ciências Econômicas, Instituto de Ciências Sociais, Grupo de Reflexão e Trabalho Economia de Francisco e Clara e Articulação Brasileira da Economia de Francisco e Clara. A palestra foi mediada pelo professor do Departamento de Relações Internacionais Leonardo Ramos.
A palestra do economista Ladislaw Dowbor está disponível na íntegra no Canal do Youtube PUC Minas Lives. O evento prossegue nas próximas semanas.
Confira a programação:
14 de setembro, às 10h40 | Juliane Furno - A crise do capitalismo e os desafios para a construção de uma economia para as maiorias
20 de setembro, às 10h30 | Marina Oliveira e Daiane Zito - Construindo a Utopia: a Juventude e a Economia de Francisco e Clara