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A Rede sustenta suas análises em aportes teóricos oriundos de diferentes campos do conhecimento, em especial os da área de Educação, partindo das elaborações teóricas de Jean-Jacques Rousseau (1999) constantes de O Emílio, que suscita o surgimento da Pedagogia Moderna, e que na rede aqui proposta, é tomada como ponto de inflexão para alçarmos outras experiências e epistemologias do Sul (América Latina), em diálogo com o Norte (Península Ibérica).
Destacamos que o legado de Rousseau coincide com o nascimento de um universo fundamental sobre a infância, isto é, o literário, a partir do qual se construíram as pedagogias contemporâneas. O romance pedagógico O Emílio, inaugurado em 1762, colocou a criança no centro de sua teorização. Rousseau opunha-se a todas as ideias correntes de seu século referentes à educação de crianças. Nesta obra, o filósofo francês expôs os princípios de uma “Educação Natural”, concebendo o homem como sujeito natural, racional e moral. Nesta perspectiva, ele descreve o itinerário educativo de Emílio, através do “retorno à natureza”, à centralidade das necessidades essenciais da criança em todo o seu percurso educativo, o respeito e a valorização das características específicas de cada idade:
Não se conhece a infância; no caminho das falsas ideias que se têm, quanto mais se anda, mais se fica perdido. Os mais sábios prendem-se ao que aos homens importa saber, sem considerar o que as crianças estão em condições de aprender. Procuram sempre na criança, o homem, sem pensar no que ela é antes de ser homem. ” (ROUSSEAU, 1999, p. 53)

Na base d’O Emílio está colocada a descoberta da infância como idade autônoma, dotada de características peculiares, portanto, distintas das características e finalidades próprias da idade adulta. Em outros termos, há então um distanciamento entre a criança e o adulto, uma necessária separação que compreende a primeira como diferente do segundo. Rousseau insiste na não intervenção do preceptor, que deve ‘acompanhar’ o crescimento do menino, mantendo-o isolado da influência da sociedade “corruptora”. Não obstante, o filósofo, não fixa programas ou horários rígidos para Emílio, restringe os castigos corporais e as lições verbais, pois toda a aprendizagem deve decorrer do contato com as ‘coisas’, e, neste sentido, a criança deve ser educada pela ‘natureza’. A educação romântica inaugurada por Rousseau produziu uma importante renovação, sobretudo, teórica, que colocou em evidência uma nova ideia de formação, baseada na centralidade da criança no processo educativo e o respeito a suas peculiaridades.
No entanto, Rousseau dedica pouco espaço à mulher. Observamos que a personagem-companheira de Emílio, a quem o autor denomina de Sophie, constituiu um referente de feminino e feminilidade, capaz de inspirar diferentes obras pedagógicas entre os séculos XVIII e XX. Sophie é descrita como a mulher ideal, esposa e mãe, possui uma formação moral e intelectual voltada às prendas domésticas e à vida social.
Não podemos deixar de mencionar, contudo, a obra de Madame d’Epinay3, escritora francesa, amiga e interlocutora de Rousseau, com quem manteve uma relação afetiva e uma interlocução intelectual profícua. Madame d’Epinay demonstra sua admiração pela obra do filósofo francês ao dar nome a sua neta de Emilie.
Escreve uma importante obra pedagógica intitulada Les conversations d´Emilie (1996), na qual descreve a família e a mãe como primeiros referentes da criança e destaca a importância desta para a educação e inserção dos mais novos na vida social, construindo um referente de feminino muito diferente de Sophie, uma vez que M. d’Epinay desenvolveu uma ideia de formação feminina baseada na autonomia, na busca pela felicidade, e na independência das mulheres à figura masculina. Ao questionar a ideia de feminino na obra de Rousseau, M. d’Epinay, desafiou a sociedade de seu tempo, ao assegurar às mulheres, possibilidades outras de existência e de participação na vida social e intelectual, por meio de sua escrita, tornando-se desde o século XVIII, uma emblemática representação das possibilidades de transgressão feminina frente aos ditames historicamente impostos às mulheres.
A infância romântica, que jamais foi uma realidade, está se esmaecendo também enquanto ideal. Temos nos distanciado deste sonho romântico de uma infância idílica, livre de obrigações, como as descritas por Rousseau e M. d’Epinay. Esta idealização da infância, de fato contrasta com a realidade da maioria das crianças sejam elas pobres ou ricas que têm infâncias diferentes, porém cada vez mais breves e com mais obrigações.
O ingresso da criança na escola moderna demarca uma tênue separação entre duas categorias sociais: a criança e o aluno, pois a transformação da primeira no segundo, não indica que o aluno seja reconhecido como criança. O suposto prolongamento da infância na escola esconde, ao contrário, o árduo processo preparatório da criança para a vida adulta. Em outros termos, aluno é uma categoria autodefinidora que se refere mais à condição de enclausuramento na instituição escolar, caracterizada pela etapa preparatória a que são submetidas as crianças. A infância existe, portanto, no reino da palavra “outra”, que se reveste de um poder do adulto para com a criança, ou aquela que fala sobre alguém que é “incapaz” de falar por si mesma, ou seja, a criança é definida como o in fans, aquele que não pode falar.
Caminhando agora pelas vias das Américas, encontramos outra Emília, personagem emblemática do escritor brasileiro, considerado o precursor da literatura infanto-juvenil no Brasil, Monteiro Lobato (1882-1948). Se no pensamento eurocêntrico a criança é percebida por um atributo ausente, isto é, como não falante, na perspectiva de Lobato, a capacidade da fala é uma característica que marca a personalidade de Emília, a boneca de pano que mágica e encantadoramente, ganha vida e fala, a qual foi concebida pelo escritor brasileiro para a obra, traduzida para diversas línguas, denominada O Sítio do pica-pau amarelo.
São inúmeras as histórias que rodeiam o Sítio do pica-pau amarelo, sendo a obra vertida em programa televisivo, voltado ao público infanto-juvenil, e veiculado em canal aberto e gratuito. Além da nossa emblemática Emília que nos remonta às reminiscências da infância, há outros personagens criados pelo autor, como as crianças Pedrinho e Narizinho, a avó delas, Dona Benta, a cozinheira da família, tia Anastácia, o porco Marquês de Rabicó, e o sabugo de milho Visconde de Sabugosa, sendo que estes dois últimos também ganham vida e a capacidade de falar. Esses personagens vivenciam inúmeras aventuras no sítio. Emília tem como característica principal falar aquilo que pensa, sendo descrita como uma boneca interesseira e egoísta, e ao mesmo tempo, criativa, comunicativa e querida por todos, inspirando as crianças e jovens, bem como aos adultos.
Nos meandros Pedagógicos e Literários pensamos a Rede Emíli@. Ou seja, a partir dos referentes de criança, educação, filosofia, feminino e lúdico, descritos anteriormente, a Rede Emíli@ constitui-se como um espaço de criação, produção científica e interlocução acadêmica, política e social, buscando os referentes epistemológicos do hemisfério sul, latino-americano, em diálogo com o hemisfério norte, em especial a península ibérica.

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