"Saudade do velho normal", "quero a minha vida de volta", "estou com saudade da minha antiga rotina". Quem nunca fez uma dessas queixas nos últimos tempos? A necessidade de adotar o isolamento social como estratégia para conter a disseminação do coronavírus fez com que as pessoas mudassem a forma de relacionar, de trabalhar, de estudar e de viver, dependendo dos meios virtuais para manter contato e relações, sejam elas pessoais ou profissionais. Ficar em casa deixou de ser uma opção de conforto e passou a ser uma recomendação de segurança. Para muitas pessoas, isso foi um desafio. Furar a quarentena e promover aglomerações foi um risco que muita gente escolheu correr, ao contrário do que recomendava as autoridades sanitárias.
Com o avanço da vacinação, a queda nas taxas de transmissão do vírus e a volta gradual às atividades presenciais, muitas pessoas têm enfrentado uma resistência inversa: a de sair de casa. A dificuldade em encarar o mundo neste período pandêmico ganhou até um nome: Síndrome da Gaiola. O termo foi cunhado pelo psiquiatra da infância e adolescência da Associação Brasileira de Psiquiatria, Gabriel Lopes, em alusão aos pássaros que não deixam o cativeiro, e refere-se à necessidade de se manter seguro, dentro de casa. Esse fenômeno comportamental tem atingido, sobretudo, crianças e adolescentes, que se apoiam nas modalidades virtuais e ignoram os estímulos vindos do contato com o mundo exterior, comportamento que preocupa, já que a escola vai muito além de aprendizagem acadêmica e é fundamental para a sociabilidade e habilidade de lidar com situações e conflitos que, com certeza, não acontecem dentro de um quarto.
Aline Aguiar Mendes, professora da Faculdade de Psicologia da PUC Minas, pontua que as incertezas provocadas pela pandemia expôs a fragilidade da condição humana e foi gatilho para aparecimento de diversos sintomas psicopatológicos. "A pandemia, ao fazer aflorar o desamparo, nos colocou frente à angústia. E o que é a angústia? É quando nos deparamos com algo que não se sabe ao certo o que é". A psicóloga explica que cada indivíduo elabora uma forma própria de lidar com essa angústia e que, em muitos casos, essa saída ocorre por meio do surgimento de sintomas variados. "Sintomas obsessivos, como mania de desinfecção e de limpeza; sintomas fóbicos, como medo exacerbado e hipocondria; característica melancólica, naqueles que acreditam, por exemplo, que estamos condenados a viver assim; sintomas psicóticos, caracterizados por uma certeza delirante de que algo vai ocorrer, que isso é destinado a ela", exemplifica.
Para algumas pessoas, a forma de atenuar essa angústia foi, justamente, se isolar e, dessa forma, se proteger da exposição ao vírus e ao desafio do convívio social. "A volta às aulas e ao contato com os colegas, por exemplo, traz diversos questionamentos sobre o que e quem vai encontrar pela frente. E aí os sujeitos também ficam muito angustiados diante disso, exatamente porque construíram defesas para lidar com essa angústia, com esse desamparo que apareceu lá no início da pandemia", explica.
Uma coisa é fato: é preciso encarar o outro, o mundo e a vida, nem que seja aos poucos. Para quebrar essa barreira, o acolhimento e a escuta são fundamentais. "As pessoas precisam ser ouvidas para que essa questão possa ser elaborada", orienta Aline, ressaltando que o mais importante para esse processo de reconstrução das relações é reativar o convívio e fortalecer os laços. "São desafios que nós vamos ter que enfrentar nesse retorno gradual do distanciamento social e, principalmente, desse encontro com o outro, com a alteridade, com isso que pode muitas vezes me colocar diante de um desconhecido, diante de uma interpelação, diante de uma interrogação. Quem eu sou para o outro? O que o outro espera de mim? Que imagem eu tenho para esse outro?", explica.
Se o outro representa um desafio, por que ele não surge, ou pelo menos não é tão atenuado, nas relações virtuais? "Porque é um ambiente, de alguma forma, controlado. Eu não estou em contato com a alteridade do outro, com isso que é desconhecido no outro e pode interrogar e interpelar algo em mim mesmo que eu antes desconhecia e que provoca angústia", explica. "Além disso, as redes sociais, principalmente com os adolescentes, vão trazer também certa idealização de uma imagem, de uma forma de vida que muitas vezes não condiz com a forma de vida real que o adolescente tem", pondera.
Quando o medo e a falta de interesse no mundo além da porta de casa vêm acompanhados de sintomas como insônia, aumento ou perda exacerbada de apetite, fadiga e ansiedade, é indício de que é necessário buscar ajuda médica. "Quando o tratamento psicoterápico é aliado ao tratamento medicamentoso, o prognóstico, ou seja, a evolução do quadro clínico é muito favorável", explica a psicóloga, que também considera necessário retomar alguma forma de contato social e, se possível, fazer uma atividade física ao ar livre. "Se a pessoa tiver vacinada e tiver um ciclo de amigos no qual ela possa confiar e sair em segurança, com os cuidados necessários, eu acho muito importante que ela possa fazer o retorno, aos poucos, incluindo na sua rotina. Lembrando sempre: em segurança, com as medidas sanitárias cabíveis", orienta.
Aline pondera, no entanto, que essa experiência toda, apesar dos percalços, adaptações e readaptações, tem um aspecto de positivo. "Tem algo aí muito importante que é a valorização do convívio social. As crianças e adolescentes, e também os adultos, valorizando a possibilidade de retorno do convívio com os colegas é fundamental. Esses lugares de socialização são importantes. Então, não é tudo ruim, não é só desafio, nós também temos algumas perspectivas positivas", afirma.