O mês de setembro já é reconhecido por uma cor e um significado. Nesta época, o amarelo predomina na iluminação de pontos turísticos e fachadas de instituições e um laço nessa cor é estampado por toda parte para acender o alerta para uma causa nobre: a campanha de conscientização sobre a prevenção ao suicídio. Criada em 2015 pelo Centro de Valorização da Vida (CVV), Conselho Federal de Medicina (CFM) e Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), a campanha tem a proposta de associar a cor ao mês que marca o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio, comemorado em 10 de setembro.
Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), um suicídio ocorre a cada 40 segundos no mundo. E na contramão da tendência mundial, em que o índice de mortes autoprovocadas caiu 9,8%, a taxa de suicídio no Brasil aumentou 7% em seis anos. Esses dados ilustram o propósito do Setembro Amarelo: é preciso falar sobre saúde mental, assim como tornar pública a importância das ações de acolhimento às pessoas que se sentem deprimidas, ansiosas ou sem esperança. É o que afirma Cristina Campolina Vilas Boas, professora do Curso de Psicologia da PUC Minas. "Discutir a questão do suicídio sem preconceitos e julgamentos é igualmente essencial. Apontar que todos estão suscetíveis ao desalento é uma condição para qualquer prática de prevenção. Isso é rigorosamente o contrário de incitar o sujeito ao ato suicida. Precisamos superar o tabu de que falar em ansiedade, depressão e suicídio levaria o sujeito ao cometimento de um ato contra a própria vida", defende a psicóloga.
Considerada o mal do século, a depressão é uma doença psiquiátrica que atinge cerca de 350 milhões no mundo, de acordo com a OMS. E, ao contrário do estereótipo popular, não é frescura, não é falta de fé e nem mesmo é tristeza. Por isso, é preciso estar atento aos sintomas. "A tristeza transitória muitas vezes surge após um sofrimento pontual. E viver esse sentimento de perda, de falta é extremamente importante, saudável para o nosso psiquismo. Já na depressão, nem sempre o sujeito consegue identificar um episódio disparador, então, ela aparentemente é sem uma causa. O entusiasmo do sujeito pela vida se encontra diminuído de maneira recorrente e sintomática e seus laços sociais ficam em risco", diferencia a professora.
Falta de engajamento com o trabalho, irritação contínua com pessoas de seu círculo de convivência e perda de envolvimento com atividades corriqueiras podem ser sinais de alerta. Quando, então, é necessário procurar ajuda? "Quando a pessoa se sente em um beco sem saída, quando está ausente e desconectada dos acontecimentos do dia a dia e quando um amigo ou um familiar já não serve para consolar e trazer paz", explica. A boa notícia é que há cura. A psicoterapia aliada ao tratamento psiquiátrico pode trazer bons resultados no atravessamento dessa patologia, que pode ser causada por fatores genéticos, biológicos ou emocionais, como algum trauma. Além disso, Cristina também ressalta a pressão social para aparentarmos constantemente felicidade e êxito, na vida pessoal e profissional, como motivo que provoca sofrimento. "Vivemos num tempo em que o ser se confunde com o ter, ter os objetos de consumo que são valorizados pelos sujeitos do nosso tempo é o que nos absorve cotidianamente", completa.
Já a ansiedade é uma reação normal do corpo diante de situações que provocam medo, dúvida ou expectativa. Nesses casos, ela funciona como um sinal que prepara as pessoas para enfrentarem desafios. Entretanto, quando essa preocupação é excessiva, persistente, de difícil controle e vem acompanhada de sintomas como irritabilidade, dificuldade de concentração, deturpação da realidade dos fatos e provoca sintomas físicos como tensão muscular, perturbação do sono, falta de ar e taquicardia, ela caracteriza um transtorno que acomete milhares de pessoas no mundo, o TAG – Transtorno de Ansiedade Generalizada.
O Brasil é o país mais ansioso do mundo, segundo a OMS. Cerca de 9% da população sofre com esse transtorno. Para a professora Cristina, as condições socioeconômicas do país agravam este cenário. "Não saber como será viabilizado o dia de amanhã gera muito sofrimento psíquico. As pessoas de baixa renda se sentem extremamente impotentes diante das incertezas que a precariedade impõe", reflete. Mas, é importante ressaltar que transtornos mentais independem de classe social ou idade e pode atingir qualquer pessoa. No dia a dia, aprender a identificar e evitar gatilhos que podem desencadear uma crise é fundamental. Para isso, é necessário desenvolver o autoconhecimento e o autocontrole. "Trabalhar a respiração e tirar os foco do problema disparador da ansiedade, buscar outro foco de atenção para se desligar dos sintomas ansiogênicos", ensina a professora.
Nessas situações, a empatia pode salvar vidas. O Centro de Valorização da Vida (CVV) realiza apoio emocional e prevenção ao suicídio, atendendo de forma voluntária e gratuita pessoas que querem e precisam conversar, pelo telefone 188, e-mail ou chat 24 horas. As conversas são sigilosas e a identidade de quem entra em contato é preservada. Familiares e amigos também são essenciais nessa batalha e devem ficar atentos a sinais como mudanças bruscas de comportamento ou de hábitos como sono e alimentação, pensamentos autodestrutivos e depreciativos e desinteresse pela vida. Ao observar esses indícios, incentive a busca pelo tratamento psicológico e médico.
Cristina também ressalta a importância de praticar hábitos de vida saudáveis, que estimulem a saúde mental e contribuam para o bem viver, como praticar atividades físicas e cultivar as boas relações. "Descobrir a riqueza de estar junto, apesar dos desafios da convivência. Ter experiências alegres, se divertir e buscar a leveza cotidianamente. Fazer disso tudo um propósito de vida", completa.
Discussão responsável
Assim como defendeu a professora Cristina Campolina Vilas Boas, é preciso quebrar o tabu de que falar sobre suicídio significa incitar ou incentivar o ato. Desde que a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou o documento Prevenção do suicídio: um manual para profissionais da mídia, em 2000, essa discussão tornou-se mais forte na mídia. No entanto, uma cobertura jornalística responsável pode contribuir para a prevenção do suicídio, reduzindo o risco de um comportamento imitador, ajudando a modificar falsas percepções e incentivando as pessoas a procurarem ajuda. É o que destaca Claudina Cayetano, consultora regional de saúde mental da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) à Organização das Nações Unidas (ONU).
Em consonância com essa ideia, Rebeca de Castro, estudante do 8º período do Curso de Jornalismo, considera importante discutir este assunto e, por isso, decidiu estudar a relação entre a mídia e o suicídio em seu Trabalho de Conclusão de Curso, intitulado Entre o silêncio e o sensacionalismo: ética e responsabilidade jornalística na divulgação do suicídio. "Incomodava-me o fato de tantos colegas e conhecidos lidarem com ansiedade, depressão e, até mesmo, apresentarem comportamento suicida e pouco se discutia sobre saúde mental nos meus círculos sociais", explica ela sobre o interesse pelo tema.
A partir do levantamento de manuais e guias elaborados por especialistas em suicídio, a estudante analisou o modo como o tema é abordado em coberturas jornalísticas, observando questões como complexidade, romantização ou glamourização. "Quando uma celebridade morre por suicídio é comum ver o método sendo divulgado, inclusive nas manchetes, e essa prática é amplamente desaconselhada por esses manuais", exemplificou. Segundo Rebeca, há uma concepção de que a divulgação de mortes autoprovocadas podem gerar suicídios por imitação. O chamado Efeito Werther. "Essa ideia surgiu após o lançamento do romance Os sofrimentos do jovem Werther, de Goethe, em 1774, na Alemanha. Na época, vários jovens foram encontrados mortos da mesma forma que o protagonista do livro, que suicidou devido a uma desilusão amorosa, e o método foi descrito no livro. Logo, a obra foi proibida em alguns países europeus e essa crença se difundiu", explica. Contudo, uma das conclusões de sua pesquisa é que não é possível comprovar de fato a ocorrência do efeito Werther, afinal o suicídio nunca é resultado de um evento único, logo, pode haver sim influência, mas a exposição ao ato não é o único fator que provoca a morte voluntária. "Durkheim, autor de O suicídio, já falava no século XIX que não falar sobre suicídio não irá evitá-lo, a questão principal é a maneira como se fala", argumenta.
Para Rebeca, campanhas como o Setembro Amarelo são bem-vindas, mas o olhar para pessoas com comportamento suicida deve ser praticado diariamente. "Uma das principais conclusões é que mais importante do que falar sobre o tema, é ouvir. Ouvir essas pessoas, ouvir os sobreviventes de tentativa e os sobreviventes enlutados. Sem condenar ou procurar culpados. Só assim é possível superar o tabu, as estigmatizações e equívocos criados em torno do tema, de modo a promover conscientização, diálogo e informação", conclui a estudante, que acredita que os comunicadores sociais têm ferramentas essenciais para contribuir positivamente na prevenção do suicídio. "Ao meu ver, o silêncio não é uma opção", afirma.