Há quase 60 anos, no dia 31 de março de 1964, a articulação golpista entre civis e militares destituiu o presidente do Brasil então empossado, João Goulart. O Golpe Civil-Militar instaurou no país um regime autoritário que, nos 21 anos seguintes, foi caracterizado pela cassação de mandatos políticos, desaparecimento, prisão e tortura de centenas de opositores, supressão do voto direto, dos partidos tradicionais e dos sindicatos, além da imposição de censura à imprensa e às manifestações artísticas.
"A memória do Golpe Civil-Militar de 1964 tem sido objeto de disputa. Há setores políticos e sociais que vêm defendo uma visão revisionista do golpe de 64, minimizando seus impactos negativos e glorificando o papel dos militares e do regime. Essas vozes encontram ressonância e foram ampliadas no último Governo Federal que, se utilizando de expedientes nada republicanos, promoveu a disseminação de notícias falsas, repetidos ataques à Justiça Eleitoral, o monitoramento de autoridades e o crescente armamento da população civil", afirmou o Diretor do Instituto de Ciências Humanas da PUC Minas (ICH), Prof. Dr. Alexandre Magno Alves Diniz, na tarde desta terça-feira, 19 de março, durante a solenidade de abertura da Aula Inaugural do Instituto no Teatro São João Paulo II, Campus Coração Eucarístico.
O professor Alexandre destacou as ações golpistas do dia 8 de janeiro de 2023, investigadas pela Polícia Federal, que propunham a instauração do estado de defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral com o objetivo de alterar o resultado da eleição presidencial de 2022 rompendo com a ordem democrática do país. "Diante da gravidade desse cenário, o ICH traz o tema de sua aula inaugural embalado pelos valores e princípios que orientam a nossa ação, com destaque para o humanismo solidário, a cidadania participativa, a liberdade de criação e expressão", defendeu.
Contribuir para o debate público sobre o valor e a fragilidade da democracia, ainda segundo o Diretor do ICH, é um dos objetivos da atividade que visa também "reforçar a nossa posição na defesa dos direitos humanos e da justiça social, e renovar a nossa solidariedade com a vítimas do regime e os seus familiares".
Ao fazer referência ao pensamento do cientista político David Runciman, da Universidade de Cambridge, o professor Alexandre alertou os presentes sobre a série de ameaças que os regimes democráticos contemporâneos estão sofrendo. "O populismo, a polarização política, a desigualdade econômica, o autoritarismo, a desinformação e as mudanças tecnológicas podem, infelizmente, redundar questionamentos em relação às nossas instituições democráticas. O declínio das democracias não ocorre, necessariamente, de maneira dramática ou catastrófica. Ele pode acontecer de maneira gradual e imperceptível. Portanto, faz-se necessário, mais do que nunca, que estejamos vigilantes em relação às ameaças", assegurou.
Pluralidade de saberes
A Chefe do Departamento de Educação e Coordenadora do Curso de Pedagogia presencial, professora Sheilla Brasileiro, reforçou a seriedade e a necessidade da discussão sobre o tema da aula ao desejar que a atividade seja um momento de trocas de conhecimentos entre os participantes. "Estamos tendo uma reforma e a gente sabe que a ela nunca é só física, o que ela traz também de metafórico nos toca muito, nos mexe muito, e que essas mudanças venham para acrescentar, para somar, nesse centro de excelência das humanidades e da formação de professores que é o ICH", contou.
Dirigindo-se aos alunos dos primeiros períodos, recém-chegados à Universidade, a Chefe do Departamento de Geografia, professora Juliana de Lima Caputo, alertou sobre a necessidade de combate às fake news com conhecimento e reflexão. "Conhecer a história do golpe civil-militar de 1964 nos permite aprender a defender a nossa democracia", pontuou. A Profa. Dra. Júlia Calvo, Chefe do Departamento de História, lembrou o caráter reflexivo da aula inaugural, complementando a fala da professora Juliana.
A pluralidade de interesses, procedência e de projetos de vida que compõem a Universidade foi lembrada pela Chefe do Departamento de Letras, Profa. Dra. Ev'Ângela Barros, ao falar sobre a temática da atividade. "É muito bom ver que a gente se apoia, a solidariedade, essa coesão, essa união faz com que nós nos fortaleçamos diante dos desafios", disse.
Citando o compromisso com a educação dos 80 anos do ICH, o aluno do 6º período do Curso de Pedagogia Pedro Ivo Ferreira, representante do corpo discente à mesa solene, destacou o processo formativo emancipatório e humanizador da PUC Minas. O doutorando do Programa de Pós-graduação em Letras, Tiago Ruas Dieguez, ao lembrar o uso da palavra "revolução" para se referir ao golpe civil-militar retomou a importância da discussão sobre o tema, dando aos termos as suas definições corretas. "É importante falar as palavras com todas as letras, com todos os ecos, reconstruir todas essas memórias afetivas e coletivas", concluiu.
Sujeitos do tempo
A professora Júlia Calvo, mediadora da atividade, explicou que o autoritarismo brasileiro é um processo e uma tendência. Processo, porque é contínuo, nas inúmeras violações cotidianas dos diretos humanos, nas desigualdades sociais, nas desigualdades de gênero, nas violências diversas empreendidas todos os dias sobre os grupos vulneráveis como indígenas e trabalhadores, que as comissões da verdade, mesmo tardias no país, vêm lançando luz na contemporaneidade. E é uma tendência, para a docente, porque nos últimos anos as bandeiras vêm redecorando esse autoritarismo nas pautas de costumes, de religião, de economia, de antipolítica, de antigos e novos preconceitos. É preciso perceber, sobretudo, o autoritarismo como experiência cotidiana. "Lançar luz nos 60 anos permite valorizar as inúmeras resistências que permitiram o nosso hoje e o retorno da democracia e o retorno da democracia como ação da sociedade civil que por meio da participação transformaram o país e é, de maneira urgente e imperativa, necessário combater o negacionismo que insiste em responder a chamada dos grupos autoritários que se apropriam, estes sim, do passado de forma criminosa e manipulam, e manipularam, e conspiram e conspiraram, em todos os tempos por retrocessos", declarou.
O Prof. Dr. Juarez Rocha Guimarães, do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), iniciou sua comunicação recordando a sua participação como membro do Conselho Curador do Memorial Nacional da Anistia, ainda da época da sua criação em Belo Horizonte, no bairro Santo Antônio, cuja construção foi interrompida. "O Museu visava homenagear, lembrar, e construir uma memória viva daqueles que lutaram contra o regime militar, muitos deles inclusive entregando as próprias vidas em defesa da democracia. Então, é a eles, especialmente aos professores, aos estudantes e aos funcionários da Universidade que eu dedico esta exposição", afirmou.
A íntegra da aula inaugural está disponível no canal oficial do Youtube do Instituto de Ciências Humanas.