"Para além da universidade dos assuntos, dos temas e dos debates, a universidade é do horizonte. E nós, que vivemos em um Belo Horizonte, e estamos em uma Pontifícia Universidade Católica, a maior pontifícia do mundo, temos, então, um horizonte muito grande a ser construído. E tenho certeza que nesta manhã este horizonte será muito mais consolidado por todos nós", afirmou o Reitor da PUC Minas, Prof. Dr. Pe. Luís Henrique Eloy e Silva, durante a abertura da Aula Magna da Faculdade Mineira de Direito (FMD), que aconteceu nesta segunda-feira, 27 de março, no Teatro São João Paulo II, Campus Coração Eucarístico.
A palestra O Novo Direito Civil e o Constitucionalismo Contemporâneo foi ministrada pelo Prof. Dr. Luiz Edson Fachin, Ministro do Superior Tribunal Federal (STF), a quem o Reitor definiu como uma pessoa com "cultura e envergadura intelectual e científica que, associadas à sua formação católica, nos enobrece porque nos dá a esperança de uma sólida formação católica, voltada para o bem da população e da sociedade". Segundo o Reitor, a presença do ministro "nos ajuda a ver aquilo que uma universitas deve sempre buscar ver no seu horizonte, e com a sua Aula Magna este horizonte será muito mais consolidado por todos nós".
A Diretora da FMD, Profa. Dra. Wilba Lúcia Maia Bernardes, destacou a sua "sensibilidade do bom julgador, que não descuida do humano", e que ter o ministro na Universidade significa reafirmar as premissas da Instituição que fala ao humanismo e não se desprende da luta pela justiça e pela paz social. "Sua trajetória profissional sempre foi marcada pela defesa de um Direito que seja não só visto pelo prisma da legalidade, mas também que tenha coerência em sua legitimidade e, assim, concretize a integridade do Direito", afirmou.
A professora também destacou que a FMD colhe os seus melhores frutos e os festeja, como a ministra Cármen Lúcia, egressa e docente da Universidade e, segundo ela, uma mulher combativa e profissional competente, que "escreve a sua história com a força das mulheres do norte de nossas Minas".
A ministra comemorou os seus 50 anos de envolvimento com a PUC Minas, completados em janeiro, que somam sua jornada acadêmica e profissional na Universidade. Ela destacou que Fachin é "alguém que sabe plantar o Direito para colher a justiça. É o que queremos de todo mundo na área do Direito", afirmou.
Também compuseram a mesa solene o Chefe de Gabinete da Reitoria, Prof. Dr. Guilherme Coelho Cólen; a Consultora Jurídica e Secretária-geral da Universidade, Profa. Dra. Anne Shirley de Oliveira Rezende Martins; e a Chefe do Departamento e Coordenadora do Colegiado do Curso de Direito do Campus Coração Eucarístico, Profa. Dra. Cíntia Garabini Lages.
A aula foi transmitida pelo canal PUC Minas Lives no YouTube.
O novo Direito Civil e o Constitucionalismo Contemporâneo
O ministro Luiz Edson Fachin destacou e refletiu sobre os desafios contemporâneos na vida do Direito e no próprio mundo da vida. Ele destacou como premissas três imprescindibilidades: a necessidade do diálogo entre conhecimento e experiência nas universidades; a busca pela liberdade, justiça e fraternidade na sociedade; e a prevalência do sentido amplo de República e o sentido pleno de democracia no Estado. "Colocadas essas três condições de possibilidade, o que significa, portanto, que enfrentar as mazelas dentro dessa ambiência, onde essas três condições de possibilidade nos permitem refletir sobre os modos de ser e de estar, me dirijo a corações e mentes que se prestam a colocar-se a caminho de uma missão. É desse sentido de missão que se faz a essência do viver a vida em plenitude e em todos os domínios do conhecimento", afirmou.
Fachin lembrou que recentemente, o conhecido dicionário norte-americano Merriam-Webster elegeu como palavra do ano de 2022 gaslighting, que significa o ato de enganar alguém. "Elegeu-se o sentido da mentira, do engodo, da manipulação, do abuso e da violência, de corromper a percepção que alguém tem sobre si e sobre o mundo", comentou. Ele contou que caso fosse consultado, elegeria para este ano a palavra confiança, que remete ao que é certo e verdadeiro. "Mesmo nos dissensos e nas controvérsias, nas disputas de sentido e de teses, o resultado pode não nos agradar, mas é fundamental um processo e um procedimento que gere confiança", explicou. Segundo ele, essa confiança se produz a partir do entendimento de que no Direito, assim como na ética existencial, há uma diferença nítida entre o certo e o errado, entre a verdade e a mentira. "E, por isso, tenho para mim que a confiança como qualidade e como desafio deveria ser a palavra de 2023 porque a partir dela que nós vamos criar ou uma ponte para o futuro habitável ou abrir ainda mais as valas de um abismo", avaliou.
O ministro citou seis sintomas que, em sua avaliação, levam a essa situação definida por ele como encruzilhada: diluição do sentido de autoridade do Estado e das instituições, inclusive das famílias; perda do tônus legislativo; babelização jurisprudencial, que seria a perda de autoridade do próprio Poder Judiciário; insegurança jurídica; saudação ao passado; e atomização social que, de acordo com o ministro, tem multiplicado a judicialização. "Esses seis sintomas, ao meu modo de ver, são reflexos de muitas circunstâncias. Nós todos somos herdeiros de um pretérito que nos antecedeu, mas que se faz presente, e, ao mesmo tempo, convivemos com o sentido de dever de quem como geração vai nos suceder. Por isso, o presente é essa esquina complexa".
E para o Direito, de modo especial, esse presente marcado por três décadas da vigência da Constituição de 1988, tem representado uma ampliação do papel de atuação que era tradicionalmente reservado aos juízes. "Nós todos queremos que para a nossa causa, para o nosso processo, para a nossa demanda, tenhamos um juiz que seja célere e aja não só com precisão, mas com urgência. Mas, ao mesmo tempo, o juiz também é hoje o juiz do Estado Social da Constituição". Fachin pontua que essas demandas vão desde uma desavença entre vizinhos a fornecimento de medicamentos, questões de corrupção administrativa, atravessando temas criminais. "Convenhamos que esse caminho traduz algo interessante e, ao mesmo tempo, instigante porque expõe possibilidades, mas, também expõe limites", pontuou.
Segundo ele, esse contexto revela ser necessário, apesar desses seis sintomas, produzir confiança e buscar estabilidade, coerência e integridade. "Ou seja, segurança jurídica", resumiu. "A questão é: como produzir confiança no espaço público do Poder Legislativo, da Administração Pública, do Poder Judiciário? Como construir confiança nas relações sociais?", questiona. Para responder a essas perguntas é necessário, de acordo com o ministro, direcionar o olhar para essas três décadas de Constituição.
O ministro pontuou que não foi a sociedade brasileira que ditou uma Constituição, mas o oposto: é a Constituição que estabelece uma sociedade para ser livre, justa e solidária, e representa uma proclamação dirigida ao passado e ao futuro. "Dirigida ao passado no sentido de ser uma resposta ao arbítrio, à ditadura e à intolerância, portanto, assumindo que no projeto da Constituição só tem espaço como condição de possibilidade uma sociedade de sujeitos autônomos, e isto corresponde a dizer que a Constituição tem um valor fundante na nossa sociedade, como resposta a esse passado recente e, ao mesmo tempo, dirigindo-se como um projeto que nos interpela e nos atribui um compromisso que é um dever: a questão mais importante é o que fazemos uns pelos outros", afirmou, destacando que é necessário não apenas na democracia, mas na qualidade da democracia que, segundo ele, é um canteiro de obras. "A educação para a democracia e para a autonomia é um caminho longo porque é com ele que construímos efetivamente o projeto constitucional.
"O que temos de mais precioso é o dever de produzir confiança, muito mais do que produzir concordâncias, cumpre-nos produzir confiança, confiança nos processos e nos procedimentos, nas leis e no Estado de Direito Democrático, nas instituições e no Direito rente à vida, à necessidade das pessoas em carne e osso. É imperativo sonhar e, ao mesmo tempo, fazer dele movimento e transformação. Estou seguro que o futuro dirá se tivermos cumprido esse desafio", finalizou.