"A ética é a baliza que mantém a sociedade de pé", afirmou o Prof. Dr. Pe. Otávio Juliano de Almeida, ao ministrar a palestra A crise da ética na pós-modernidade: esvaziamento do humanismo e crepúsculo da dignidade da pessoa humana. O coordenador da Comissão Bioética da Arquidiocese de Belo Horizonte, assessor de Bioética da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e docente do Instituto de Filosofia e Teologia Dom João Resende Costa (IFTDJ) foi o convidado da Faculdade Mineira de Direito (FMD) para a aula Magna do semestre, realizada nesta segunda-feira, 20 de março, no auditório 2 do Campus Coração Eucarístico.
A Diretora da FMD, Profa. Dra. Wilba Lúcia Maia Bernardes, destacou que atividades dessa natureza são uma extensão da sala de aula e uma oportunidade ímpar pra os alunos, em especial esta, cujo tema aborda uma das premissas da Missão da Universidade. "O humanismo é arte integrante do DNA da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, e a Faculdade Mineira de Direito se importa em formar alunos que sejam comprometidos com a ética, o humanismo e a dignidade da pessoa humana. Temos certeza que nós formamos aqui profissionais que têm uma visão de mundo que necessariamente levará à formação de uma sociedade mais justa e mais fraterna", afirmou.
A Profa. Dra. Cíntia Garabini Lages, Chefe do Departamento de Direito e Coordenadora do Colegiado do Curso no Campus Coração Eucarístico, destacou que a Aula Magna foi pensada com o propósito de trazer à discussão eu tema tão caro à sociedade. "Nós vivemos uma realidade de muitas rupturas e precisamos encontrar um caminho comum, que seja baseado em uma lógica de entendimento e de reconhecimento da dignidade", pontuou.
Representando o corpo discente, João Luiz Silveira Fernandes, aluno do 8º período e presidente do Diretório Acadêmico (DA), comemorou a reabertura do espaço estudantil e agradeceu a participação dos alunos na aula. "Momentos como esse são extremamente formadores para nós e nos ajudam a ampliar os nossos horizontes, ter uma formação mais capacitada e, sem dúvidas, com a ajuda do DA, faremos mais eventos como esse. Conto com a participação de vocês", pediu.
A crise da ética na pós-modernidade
O Prof. Dr. Pe. Otávio Juliano de Almeida refletiu sobre ética e sociedade a partir de três subtemas: as origens da ética e da sua pertinência; a crise ética e a ruptura com o modelo clássico grego; e a crise da digitalização e da algoritmização da vida. "A ética está na base da construção do pensamento ocidental. Foi e continua sendo a baliza que mantém as nossas sociedades de pé. É a garantidora do exercício de cidadania dos nossos povos. Atualmente a palavra ética não está sendo muito usada, mas é bastante conhecida. É preciso um pouco de ética em todos os âmbitos da vida, mas, afinal, o que significa essa palavra?", indagou.
O professor esclareceu que, embora se confundam, os conceitos de ética e de moral são distintos. "A moral é constituída pelos juízos de valor, costumes e crenças de um povo, enquanto a ética é o estudo da ação humana e de seus pressupostos normativos. A moral é orientada pela tradição, a ética pela razão. A moral é praticada e varia de acordo com os povos. Coisas que são moralmente condenáveis em determinadas culturas, não são em outras. A ética é uma ciência que estuda, entre outras coisas, a moral. Nesse sentido, pode-se afirmar que a ética é a ciência da moral", elucidou.
De acordo com o Prof. Dr. Pe. Otávio Juliano, o ideal ético evolui ao longo da história, da mesma forma que a moral se modifica com o tempo. Assim, a felicidade consiste em viver de acordo com as virtudes, em primeiro lugar, na atividade do intelecto e, em segundo, na vida, de acordo com as virtudes éticas. A ciência e a tecnologia são dois elementos que, segundo ele, transformaram o mundo e trouxeram novos e graves problemas éticos, como miséria, poluição e escassez de recursos naturais, entre outros.
"Assistimos hoje, infelizmente, de modo passivo e atônito, a perda desses grandes paradigmas civilizacionais que foram sustentáculo do crescimento do que entendíamos como processo de humanização. Se faz necessário descobrir as motivações dessa crise e destacar o seu esgarçamento no tecido da sociedade. Para isso, precisamos de uma nova reflexão ética que identifique princípios universais e racionais de conduta e preservem o planeta e a existência humana", afirmou, pontuando que a reflexão da ética é, mais do que nunca, urgente e essencial. "Temos problemas que podem ser resolvidos com a aplicação dos costumes ou do código de moral vigente. Outros que exigem um grau maior de reflexão e o segmento de princípios éticos universais e naturais, e não normas particulares. Identificando esses princípios, a ética pode ajudar a resolver vários problemas do cotidiano das pessoas e a construir um mundo mais justo", afirmou.
O professor definiu como a maior questão ética da contemporaneidade o que ele chamou de niilismo ético, ilustrados pelos conceitos de modernidade líquida, do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, e sociedade do cansaço, do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han. "Difundindo a sua linguagem do nada e do provisório, e um estilo de vida repleto de futilidades e bestialidades que pensávamos que estivéssemos superado", definiu. Segundo ele, as práticas sociais são, em sua maioria, interessadas e interesseiras, e muitas são preenchidas de utilitarismo e de provisoriedade. "Não há dignidade onde só existe cansaço e ansiedade", pontuou. Para ele, "toda magnífica estrutura tão bem arquitetada pelos gregos e aprofundada pelo Cristianismo numa antropologia que preserve a dignidade humana está ameaçada em nossos tempos com a paulatina digitalização da vida e a algoritmização dos nossos costumes e dos nossos hábitos", já que na digitalização tudo é moldável, a começar pela verdade. "A digitalização enfraquece a consciência factual, que é a consciência da realidade", explicou.
Outra cisão da algoritmização da vida que ofusca a dignidade do ser humano é a sociedade da informação. "Ela é esvaziada de sentido. Somos hoje bem informados, porém desorientados. Uma avalanche de informações não produz verdade", opinou, ao afirmar que todos os valores humanos são, atualmente, submetidos à lógica mercadológica. "Todos nós sustentamos com cada like que oferecemos toda uma gama de empresas que ganham dinheiro oferecendo sonhos, desejos e nossas informações para eles. Estamos hoje aprisionados em uma caverna digital supondo estarmos em liberdade, acorrentados na tela digital e intoxicados de informações".
Ele provocou o público presente com um questionamento: como proceder a um retorno com tamanha velocidade e agitação que o nosso mundo vive? O professor ressaltou que o ritmo da modernidade é marcado pela agitação característica do estilo de vida em sociedades tecnologicamente desenvolvidas. "Nossa cadência é determinada pela velocidade operante dos circuitos informativos e comunicacionais os quais estamos enredados. As pessoas já se envergonham do descanso, a reflexão demorada quase produz remorso. Hoje a regra é dada pela ansiedade que assume proporções exponenciais a ponto de uma cultura não poder mais amadurecer seus frutos por excesso de rapidez no fluxo do tempo. A rapidez das operações foi transformada no imperativo categórico e suprime o tempo do pensar. Nossa loquacidade é signo, na verdade, indigência mental. Ser muito veloz e ser multitarefa, na verdade, não é sinônimo de inteligência", observou.
O Prof. Dr. Pe. Otávio Juliano finalizou sua reflexão citando o escritor mineiro Guimarães Rosa: "ser dono definitivo de mim era o que eu queria. (..) O senhor sabe o que é o silêncio? É a gente mesmo, demais da conta".