Por Sabrina Mendes* e Letícia Lins* - professoras do IEC PUC Minas e Co-fundadoras da Chicas, primeira consultoria especializada em estratégias para equidade de gênero de Minas Gerais.
A proximidade da aposentadoria da ministra Rosa Weber em outubro de 2023 descortinou o racismo e machismo estruturais que atravessam instituições tradicionais como o sistema judiciário brasileiro. Dos 11 ministros que atuam na Corte, apenas duas são mulheres, sendo que nenhuma negra, inclusive a última pessoa negra a integrar o STF foi o ex-ministro Joaquim Barbosa, em 2003, por ocasião do primeiro mandato do presidente Lula.
Em março deste ano, um grupo liderado por juristas negras encaminhou ao mesmo presidente um documento chamado "Manifesto por juristas negras no Supremo Tribunal Federal" que contou com uma média de 2.500 assinaturas e o apoio de mais de 80 organizações.
A assimetria que marca a história das mulheres no espaço público não é algo recente. Segundo levantamento feito pela plataforma Justa (2022) - um centro de pesquisa, design e incidência que atua no campo da economia política da justiça - o Brasil tem quase 52% da sua população composta por mulheres, sendo 67 milhões de mães, que são responsáveis por 38,7% dos lares e por 80% das decisões de consumo do país. No âmbito acadêmico o gênero feminino representa 55% dos estudantes de graduação, 53% das alunas de pós graduação e preenche 195 mil vagas nos cursos de mestrado e doutorado. Contudo, somente 3,5% das empresas brasileiras são lideradas por mulheres, ocupamos apenas 11,5% do total de cadeiras em conselhos e seis em cada 10 empresas com ações na Bolsa de Valores brasileira não tem nenhuma mulher no seu Conselho de Administração.
Recente pesquisa do Programa das Nações Unidas para Desenvolvimento (PNUD) revela que os entraves são culturais: o Índice de Normas Sociais de Gênero (INSG) apontou que há um grande preconceito no que tange ao papel social das mulheres. Os dados revelam que 9 em cada 10 pessoas, homens e mulheres, em todo o mundo, sustentam crenças como "[...] homens são melhores líderes políticos do que as mulheres, [...] homens são melhores executivos de negócios do que as mulheres. (INSG, 2023)[1].
A questão piora se partimos para um recorte interseccional. As mulheres negras ocupam uma parcela significativamente menor que os homens e que as mulheres brancas, em todos os setores de atividade econômica, com exceção do emprego doméstico sem carteira assinada [1], somando 65% deste contingente.[2]
Ou seja, a disparidade se dá dentro do próprio recorte de gênero. Em algumas atividades econômicas é explícita a preferência pela contratação de mulheres brancas e de classe média, em detrimento a outros recortes, o que reforça no mundo do trabalho a reprodução de vantagens para um feminismo branco e liberal, que privilegia apenas uma parcela pequena de mulheres em detrimento a um feminismo que contemple a todas, sem deixar ninguém para trás (ARRUZZA, BHATTACHARYA, FRAZER, 2019).
Vivemos no Brasil um entrave sobretudo cultural, com fortes raízes escravocratas, por isso, é fundamental a adoção de políticas públicas, em parceria com a iniciativa privada, que visem equiparar as desigualdades já estabelecidas e construir novas possibilidades, fora da lógica da relação hierárquica entre gêneros e raças. Além de um profundo letramento de gênero e racial, precisamos de ações afirmativas, que possibilitem o aumento efetivo do quadro de mulheres, especialmente negras, em espaços públicos de poder, assegurando a representatividade e possibilitando que, através do efetivo exercício de suas atividades, as mulheres consigam consolidar seu espaço, mostrando que são tão ou mais capazes e qualificadas para ocupar todos os espaços.
[1] Disponível em: https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/noticias-e-conteudo/2023/junho/mte-lanca-cartilha-com-orientacoes-sobre-direitos-da-mulher-trabalhadora/cartilha.direitosdamulhertrabalhadora.mte.pdf. Acesso em: 30/07/2022.
[2] Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas (2022)
[1] Disponível em: https://www.undp.org/pt/brazil/news/novos-dados-mundiais-do-pnud-mostram-que-preconceitos-de-genero-continuam-enraizados. Acesso em: 29/07/2023.
*Letícia Alves Lins é Doutora e Mestra em Comunicação, Pós-Graduada em Marketing e Publicitária de formação. É Fundadora e Head de Projetos da Chicas - Estratégias para Equidade e Coordenadora dos Cursos "Comunicação, Diversidade e Inclusão nas Organizações" e "Gestão da Diversidade e da Inclusão nas Organizações" ambos do IEC da PUC Minas. Autora do livro: "Deixamos o não em casa, mas saímos com o nunca. Publicidade, Experiência, Públicos e Feminismos nas Redes Digitais".
*Sabrina é professora para os cursos de pós-graduação da PUC Minas, onde leciona sobre diversidade, ESG, reputação corporativa, design thinking e criatividade. É especialista em Design Estratégico e Inovação pelo Istituto Europeo di Design e co-fundadora da Chicas, primeira consultoria especializada em estratégias para equidade de gênero em Minas Gerais, além de liderar as iniciativas de diversidade e inclusão no TEDx Belo Horizonte.