Às vésperas da primavera, as atenções das pessoas que andam pelas ruas da cidade se voltam para o desabrochar das flores. Sobretudo em Belo Horizonte, que é tomada pelo colorido dos 29 mil ipês que se espalham pela cidade, reforçando o seu título de "cidade-jardim". Entretanto, não é apenas estética a necessidade de ver, cada vez mais, a vegetação se espalhar pelos espaços urbanos. Uma cidade mais verde é, também, uma cidade mais biodiversa, sustentável e saudável. E isso só faz bem à população.
É no que acredita o biólogo Henrique Paprocki, professor do Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde e do Programa de Pós-graduação em Geografia. "A natureza por perto faz com que a gente tenha uma saúde melhor, inclusive, mental. Conseguimos diminuir o ritmo e processar melhor todo o estresse e a informação do dia a dia se podemos parar para observar uma borboleta, para escutar o canto de uma ave e tudo mais que a biodiversidade pode nos oferecer", opina o ambientalista, que crê que essa transformação urbana é a transformação do novo milênio.
Com o conflito entre produção alimentícia, produção de combustível, ocupação urbana e conservação da natureza, toda iniciativa, de maior ou menor porte, vinda do setor público, privado, ou partindo de cada cidadão, em sua residência ou comunidade, é bem-vinda e necessária. O que importa de fato é mudar o olhar sobre a convivência entre desenvolvimento urbano e conservação ambiental. "Plantar uma vegetação nos quintais, nos telhados, ou mesmo na varanda do seu apartamento já ajuda a alimentar essa biodiversidade", afirma Paprocki.
O Jardim de Borboletas do Museu de Ciências Naturais da PUC Minas é um lugar que atrai por oferecer um recurso para a biodiversidade urbana de forma gratuita. Criado em meados de 2007, em uma área entre o Museu e a mata que era, inicialmente, um espaço com terra inutilizado, foi concebida uma estrutura com plantas que atraem as mais de cem espécies de borboletas catalogadas na mata. "Temos uma fonte de espécies que, ao alimentá-las, contribuímos para a manutenção delas. Elas vão ser menos suscetíveis à extinção local", pontua Paprocki. O Jardim está sendo repaginado e deve ser relançado com a reabertura do Museu ao público, prevista para este semestre.
Conflito entre urbanização e preservação
Belo Horizonte possui 790 praças e 74 parques. O número parece robusto, mas, para Paprocki, não é tanto assim o quando comparado à extensão territorial da capital, sobretudo quando se pensa no conflito entre urbanização e conservação. "No meu ponto de vista de ambientalista, todas as áreas verdes deveriam ser dedicadas à conservação. Só que isso tem um custo para a sociedade. É o custo daquela terra que seria desenvolvida, geraria pagamento de impostos e que agora vai ser destinada a um fim que provavelmente não tem nenhum lucro direto. Existem justificativas para relacionar, por exemplo, esse lucro relacionado à saúde. Você vai economizar lá na outra ponta dos serviços de saúde ao promover lugares ambientalmente agradáveis dentro da cidade para o indivíduo caminhar, contemplar, ter uma vida melhor, mas isso não é muito palpável para a sociedade. É uma expectativa que está traduzida nos artigos científicos como fato, mas que para a maioria das pessoas permanece apenas como expectativa. É ótimo viver em uma cidade cheia de jardim, mas não existe a comparação sobre como seria a saúde das pessoas se não fosse a cidade cheia de jardins, praças e parques", pondera.
Mas, por que se faz tão urgente a necessidade de repensar as cidades sob o ponto de vista da Ecologia? O professor exemplifica com uma antiga história ocorrida em Belo Horizonte, na década de 1950. "Amintas de Barros, então prefeito, mandou cortar todas as árvores da avenida Afonso Pena com o objetivo de acabar com um díptero, que se torna uma praga, porque foi veiculada a informação de que o ciclo de vida daquele mosquito passava por aquelas árvores. E o ponto de vista é, justamente, o contrário. Isso foi um erro de gestão. Quando a árvore oferece um risco à queda, a gente corta porque pode cair em cima de uma pessoa ou de um carro, mas, do ponto de vista de conseguir controlar pragas fazendo isso, a gente não consegue. O que a gente consegue é: ao promover uma diversidade de plantas, de insetos e de aves maior dentro da cidade, a gente não tem essas pragas proliferando. Até os próprios mosquitos da dengue são mais controlados por essa fauna. Quanto mais biodiversa é uma rede trófica urbana, menos pragas a gente tem. E, quanto mais biodiversa, melhor a nossa qualidade de vida pela própria contemplação e convivência com a biodiversidade", afirma.
Natureza concretada
Quem não se lembra da maior chuva da história de Belo Horizonte, de janeiro de 2020, que ficou conhecida como "a chuva de mil anos"? Na ocasião, em 24 horas o acumulado de chuva chegou a 171,8 milímetros e a força das águas destruiu a região Centro-Sul. A canalização do Córrego do Leitão é a provável explicação para as enchentes. Mas, como equalizar o crescimento de uma metrópole respeitando suas características naturais?
Essa é justamente a discussão da tese de Fernanda Mingote Colares Luz para o Programa de Pós-Graduação em Geografia com ênfase em Tratamento da Informação Espacial da PUC Minas, intitulado Entre ricos, rio e ribeirinhos: um estudo de caso da Bacia do Córrego do Cercadinho, BH/MG. "Belo Horizonte ainda tem a riqueza de conviver com rios livres fluindo pela própria natureza com toda a biodiversidade atrelada. Mas a realidade é que grande parte está encapsulada por canais aterrados. Desta forma, os problemas ocorrem com a alteração ou interrupção desse ecossistema chegando até a drenagem superficial", explica a autora, que avaliou esses efeitos no Córrego do Cercadinho, um dos afluentes do rio Arrudas. "Enchentes e inundações nas áreas impermeabilizadas ao entorno imediato de onde se encontra em leito aberto, descarte de lixo, esgoto e dejetos, descaso, abandono o que torna as áreas no entorno em terrenos baldios, ociosos e inseguros. Os impactos hidrológicos da urbanização já foram amplamente descritos na literatura técnica: a redução dos processos de infiltração, com o consequente aumento dos volumes escoados superficialmente e a aceleração do escoamento, que vem acentuar os picos dos hidrogramas", enumera.
Para a arquiteta e urbanista, uma solução seria a combinação dos aspectos urbanização e canalização como uma alternativa tecnicamente viável para solucionar os problemas de drenagem. "O Córrego do Cercadinho é um dos afluentes do Ribeirão Arrudas cuja calha ainda encontra-se, em boa parte, descoberta e sem canalização, o que faz com que possa ser um curso d'água cuja intervenção antrópica ainda não tornou impossível a recuperação da sua biodiversidade", aponta Fernanda, ao explicar que o objetivo do seu projeto é analisar espacialmente infraestruturas da Bacia do Córrego do Cercadinho em termos de permeabilidade e impermeabilidade, categorizando-as em relação às possibilidades de implementação que possam recuperar, mitigar ou anular efeitos deletérios negativos ocorridos sobre o corpo d'água e entorno imediato em busca de qualidade de vida.
"A tese busca projetar um corredor de vegetação, onde a vegetação dos quintais e telhados, que se transformaria em telhados verdes, principalmente em empresas, é uma vegetação que sustenta a biodiversidade que está adaptada a essas condições urbanas em micro escala. E isso, para a vida do cidadão, é demonstrado em artigos no mundo inteiro, que é melhor para a saúde", afirma Paprocki, orientador da pesquisa.