Fim de ano pede união familiar, confraternizações entre grupos de amigos, festas para celebrar o ano que vai vir e oportunidades de dividir momentos com pessoas que amamos. Após meses de quarentena, a vontade de voltar à vida normal. Apesar do cansaço físico e mental, é preciso se lembrar que a pandemia não acabou. Pelo contrário: o relaxamento nos cuidados preventivos fez com que os casos de contaminação voltassem a subir em praticamente todas as unidades federativas do país, fato que preocupa as autoridades sanitárias. Enquanto a vacina não chega, a forma mais eficaz de conter a disseminação do vírus ainda é o isolamento social.
Em um ano pandêmico, que exigiu de todos grande capacidade de adaptação, surge a necessidade de adaptar também as confraternizações. "Vamos apostar no contato virtual nesse momento. As festas de fim de ano serão diferentes, mas podem ser prazerosas e afetivas, mesmo na modalidade remota. Esse é o possível no momento. Essa fase vai passar! Em um momento oportuno vamos voltar a abraçar e a estarmos juntos, mas, por enquanto, vamos evitar aglomerações", orienta Danúbia Godinho Zanetti, professora do Curso de Psicologia.
É o que também pede Angélica Gomides dos Reis Gomes, médica do Posto Médico da PUC Minas Contagem e profissional atuante no combate ao Covid-19 em hospitais de Belo Horizonte e da região metropolitana. Ela conversou conosco para esclarecer conceitos como segunda onda, reinfecção e medidas de proteção eficazes. E faz um pedido: "Devemos nos lembrar que as festas de fim de ano celebram a vida. É necessário prezar por ela".
Acompanhe a entrevista:
Após meses de quarentena, as pessoas relaxaram nos cuidados preventivos, como uso de máscara e isolamento social, o que fez com que os casos de Covid voltassem a aumentar. Quais riscos que essa "segunda onda" oferece à população?
Precisamos entender primeiro o que é a segunda onda. Trata-se do aumento do número de casos de infecção pelo novo coronavírus em uma determinada região. Na maioria dos casos, são pessoas que conseguiram se isolar ou se proteger na primeira onda e, com o retorno das atividades econômicas, estão contraindo a doença pela primeira vez. Portanto, é um número alto de casos, mas em pessoas relativamente mais jovens e, por isso, aparentemente menos graves. Os riscos da segunda onda são semelhantes aos da primeira, como falta de leitos, falta de profissionais, falta de um tratamento curativo, mas com os benefícios do conhecimento adquirido pelas equipes de saúde até aqui: evolução da doença, uso de corticoide e oxigênio no momento adequado, fisioterapia e prevenção de complicações. Porém, a segunda onda aparece no período das festividades de final de ano e férias escolares que estão associadas a encontros familiares e viagens para cidades de origem, o que pode provocar um aumento drástico das taxas de transmissão da doença, principalmente em cidades do interior que têm menos estrutura hospitalar para atendimento dos casos graves, profissionais de saúde ou testes diagnósticos disponíveis.
Qual o impacto desse relaxamento na saúde pública?
O isolamento inicial e o fechamento das consultas e cirurgias eletivas na primeira onda foram fundamentais para adquirir material de proteção e de assistência, além de aumentar o número de leitos de internação e CTI. Porém, a longo prazo, isso gerou uma onda concomitante de transtornos mentais e começa a gerar uma onda de descompensação das doenças crônicas com complicações potencialmente graves. Isso significa que a segunda onda de coronavírus tem dado sinais de que será maior que a primeira, mas com hospitais já sobrecarregados por complicações não relacionadas à pandemia diretamente. Além disso, o retorno às atividades econômicas gera um aumento da procura pelos pronto-atendimentos para consultas de casos leves de Covid ou outras doenças que poderiam ser avaliadas por telemedicina ou em consultórios particulares ou nos postos de saúde, gerando insatisfação e, principalmente, atrasando o atendimento dos casos potencialmente mais graves.
Estamos nos aproximando das festas de fim de ano. Quais são os principais cuidados que as pessoas precisam ter para aproveitar esse período, mas mantendo a segurança?
Devemos nos lembrar que as festas de fim de ano celebram a vida. Portanto, ela deve ser o centro das nossas comemorações. Escolham as pessoas realmente fundamentais para celebrar essa data; evitem grandes aglomerações; comemorem em ambientes abertos e bem ventilados; preparem todos os alimentos usando máscara; evitem tira-gosto ou petiscos, onde todos coloquem as mãos ou os garfos para pegar; se possível, leve seu copo e talher; usem máscara sempre que possível, tenha álcool em gel sempre disponível. Neste momento, é necessário reinventar as festas.
O que podemos falar sobre reinfecção? A probabilidade é alta?
Reinfecção é a ocorrência de duas ou mais infecções pelo coronavírus, mas com genomas diferentes, portanto, é preciso avaliar o genoma (a sequência genética do vírus) das duas infecções e eles têm que ser diferentes. Esse exame é caro e realizado em poucos locais, geralmente ligados a grandes universidades. Portanto, existem poucos casos documentados de reinfecção até o momento, mas que apresentam maior gravidade na segunda infecção de modo geral. Existe um número maior de relatos de pacientes com dois resultados de swab nasal positivo para Covid, com intervalo sem sintomas entre eles. Nesses casos, como não foi feito o genoma, não é possível definir se é uma reinfecção ou uma reativação, que são duas infecções provocadas pelo vírus com mesmo genoma. A reinfecção e a dúvida sobre a possibilidade de reativação nos faz questionar se a imunidade produzida pelo nosso organismo (IgG e IgM que são detectados nos exames de sangue para Covid) é realmente capaz de impedir a infecção por tempo indeterminado.
Quais são as expectativas da comunidade médica em relação às vacinas, principalmente no que se refere ao Brasil?
Só posso falar minha opinião, porque não represento nenhuma comunidade médica. Existem vacinas finalizando a fase 3 (última fase antes de ser colocada no mercado) com bons resultados nas análises parciais de eficácia (porcentagem de não-vacinados que adoeceram é estatisticamente maior que vacinados) e com efeitos colaterais leves. Análises parciais estão mais sujeitas a viés, mas podem sugerir bons resultados. Análise total dos dados são desejáveis para confirmar a eficácia das vacinas e o risco que ela oferece. A publicação em revista científica também é desejável, já que todo o estudo da vacina é avaliado e revisado por pesquisadores que não participaram do estudo. Acredito que estamos cada dia mais próximos da vacina e que a prevenção é sempre a melhor e mais barata opção. Ainda não há uma previsão de quando a população brasileira receberá a vacina e há muita discussão política envolvendo o assunto, mas há várias vacinas sendo testadas aqui, o que nos garante uma acessibilidade maior a elas quando forem autorizadas pela Anvisa. Porém, o caminho entre iniciar a vacinação e adquirir a imunidade coletiva ainda é desconhecido e exigirá planejamento e sabedoria dos nossos governantes.
Até que as pessoas sejam vacinadas, há algo a ser feito para prevenir a contaminação além das práticas já conhecidas, como isolamento social, uso de máscara e higienização das mãos?
Os estudos clínicos controlados, melhor tipo de estudo para avaliar se um remédio é capaz de prevenir uma infecção, infelizmente não encontraram nenhum medicamento capaz de prevenir a infecção pelo coronavírus até o momento.